domingo, 31 de julho de 2011

Cantar da emigração

Este parte, aquele parte
E todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
Que possam cortar teu pão

Tens em troca
Orfãos e e orfãs
Tens campos de solidão
Tens mães que não têm filhos
Filhos que não têm pai

Coração
Que tens e sofre
Longas ausências mortais
Viúvas de vivos mortos
Que ninguém consolará

Poema de Rosália de Castro, com música de José Niza e tão bem cantado por Adriano Correia de Oliveira.
Musica: Adriano Correia de Oliveira - Cantar da Emigração

sábado, 30 de julho de 2011

Ribadelago

A noite não trouxe apenas o frio e sono naquela pequena aldeia junto ao lago de Sanabria . Trouxe a morte.
Esperou que os corpos cansados fraquejassem, rebentou com a presa mal construída na montanha e galgou, penedos abaixo, pelo leito do Tera.
Apanhou o povo de surpresa. 144 pessoas morreram na nona noite do mês de Janeiro de 1959, teria eu quatro anos. Muitos dos que partiram rondariam a minha idade.
Tormentos da vida do povo pobre.


sexta-feira, 29 de julho de 2011

Careto

O careto, diabólico e misterioso, desde há séculos que sai à rua.
É um recuar ao paganismo, à cultura de povos muito antigos.
É uma herança preservada pelos povos do norte.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um pato à janela

Em tempos o Conselho exercia um controlo sobre a quantidade de casas e famílias de Rio de Onor. Nem todos podiam casar e constituir família, pois isso trataria problemas de subsistência à comunidade.
Hoje são muitas as casas abandonadas e já não existe Conselho.
Quem passa nesta rua chega a crer que o único habitante daquela casa é um pobre pato, chegado à janela, numa ânsia de saber o que se passa, o que se conta.


Duas nações, um povo!

A aldeia tinha uma história ao longo de séculos.
Fomos aprendendo dos seus habitantes um pouco do viver dos últimos tempos. Lemos nos livros o viver de tempos mais antigos.
Vindo de Bragança, Rio de Onor. Seguindo o rio, a escassas dezenas de metros da última casa portuguesa (onde ficámos), a aldeia de Rio de Honor de Castilha.
Como nos dizia um jovem habitante, duas nações, um povo!
Os espaços políticos nunca dividiram aquela comunidade agro-pastoril. As duas aldeias, a de cima e a de baixo, foram sempre uma única aldeia.

domingo, 24 de julho de 2011

Conversa de filho para pai

Sabes pai, estou ansioso pelo dia de amanhã.
Para voar por vales e montanhas.
Para conhecer mundo.
Refrescar-me naquele rio que disseste que era bonito.
Conhecer as pessoas dessa aldeia comunitária que tanto falas.
E para podermos estar os dois. Falarmos da vida, falarmos de coisas sem importância, mas falarmos.


sábado, 23 de julho de 2011

Açores

Frustrada com o teu namorado, prometeste que me mostravas a cascata de água quente na Ribeira Grande. Mas foste alertando que a água era ferrosa e que manchava os calções. Tomava-se banho à noitinha, à luz das velas, sem calções.
Não calculas o imaginário que construí.
Ainda hoje imagino essa noite à luz de velas. Imagino, porque, entretanto, fizeste as pazes com o teu namorado.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Trabalhador por conta de outrem

Escultura de um artista futuro.
Representa a fase terminal do trabalhador por conta de outrem.
Lê-se na apresentação da escultura: «despedimentos, desemprego, ganância desmedida das grandes empresas financeiras e não financeiras, dirigidas pelo capital, em crise de sistema, e pelos chamados homens "política-empresas", levaram à escravatura desta espécie de homem. Este, começou a perder tudo o que tinha. Primeiro o que Marcelo e Salazar lhe deixara. Depois tudo o que adquirira em trinta e tal anos. Foi o emprego, os transportes, o subsídio, a casa, a saúde, a alimentação. E, sem dinheiro e cada vez mais impostos, perdeu também os braços, a cabeça.
No entanto, há quem refira que esta escultura é um plágio de antigas esculturas de escravos, plebeus, servos da gleba.
Mentes invejosas!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Acenos

Quando o noivo partiu para a guerra ela estava no porto a acenar-lhe, a encher-lhe o coração de esperança.
Quando o marido emigrou, ela estava na estação do comboio, na paragem da camioneta, a inundar-lhe a alma de alento.
Quando o filho teve, também, de emigrar, ela despediu-se dele com um beijo e encheu-lhe a mala de viagem com carinhos de mãe.
Quando um homem parte sem o carinho de uma mulher, parte vazio.

domingo, 17 de julho de 2011

Pausa de uma mulher cansada

Desculpa ter de fazer esta pausa.
Mas as coisas não vão bem.
Cada dia que nasce  é mais um dia de uma vida não vivida.
Sinto que necessitas de muita ajuda. Mas diz-me como te posso ajudar mais. Não será o que tenho feito desde que te conheço? E o que mudou na tua vida?
Interrogo-me agora se será justo deixar de viver a vida que Deus me deu para te acompanhar no teu infortúnio.
Será que a nossa vida tem de ser um triste fado?
Desculpa ter de fazer esta pausa.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Cheia

Na sua caminhada, Manuel Alves Júnior deparou-se com a cheia a barrar-lhe o caminho.
Há um tempo atrás pensaria na forma de chegar ao destino.
Desta vez, sem que se movesse, deixou que a água inundasse a estrada.
A vida derrotara Manuel Alves Júnior.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Irmãos

«Eu não saberia viver sem ele!»
Foi assim que Paulo Portas se referiu ao irmão Miguel Portas, respondendo a perguntas de crianças.
As ideologias diferentes que defendem não são barreiras nem motivo de inimizade entre dois irmãos.

sábado, 9 de julho de 2011

Ruínas

O que outrora foi um abrigo na muralha é hoje um amontoado de destroços que, teimosamente, resistem à erosão do tempo e ao abandono do homem.
As relações entre as pessoas são também assim. Vivas e fortes enquanto cuidadas, ruínas quando pensamos que subsistem por si.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cruz celta

A cruz celta é, para mim, uma simbiose dos antigos rituais da floresta dos druidas celtas, do Sol que fertilizava a terra e da evangelização cristã, cuja cruz representa alguém que é sacrificado pelos seus semelhantes, num acto de amor supremo.
É uma cruz que representa o que de mais há de sagrado no homem antes e depois de Cristo.
O Sol que nos dá a vida, Cristo que nos deu esperança num mundo melhor.
E eu que mais não sou que uma acha de lenha retirada da fogueira, sento-me a admirar a cruz celta.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Pequena bailarina

Os teus gestos de bailarina encantam a Madame.
Agora vê como nos encantas a nós que te amamos!

sábado, 2 de julho de 2011

Carta a minha mãe

Querida Mãe
Faz anos que partiste e me deixaste só. Tantos, quantos um meu amigo faz de vida. Vinte anos.
Sempre te pedi que me ajudasses aqui na terra. E tu, risonha, estiveste sempre ao meu lado.
Desta vez não te peço que me ajudes aqui na terra, porque já não vale a pena.
Imaginando que existe reencarnação, pedia-te um favor. O de fazeres ver ao gestor das almas, que a alma do teu filho já está cansada de reencarnar, sempre, em corpos que foram escravos, servos, plebeus, trabalhadores por conta de outrem.
E acreditando que esta alma já expiou o suficiente, é altura de reencarnar novamente, mas agora no corpo de um recem nascido numa família detentora do capital. Sabes, nem que eu reencarnasse mil vezes veria o povo deste país reagir às injustiças. Assim, após ter expiado pecados anteriores - que eu julgo estarem já pagos - gostaria de vir de novo à terra sem que me obrigassem a contribuir para a comunidade, deixando-me enriquecer, como acontece actualmente, sejam rosas ou laranjas os donos do poder (são os actuais senhores e seus vassalos).
Querida mãe, sei que não sabes ler, mas alguma alma te transmitirá esta carta.
Saudades do teu filho que sempre te adorou.